A FAUNA E A FLORA
Quem
me dera rins flexíveis e muita agilidade de modo a poder saltar para o outro
lado da linha ideológica que separa o arco da governação do espaço de
governados expoliados.
Teria
à minha roda gente fina, cordata, educada, frequentaria meios recomendáveis, e
não pelintras, sentar-me-ia, confortavelmente, ora nas bancadas da Assembleia
ora nas poltronas de Administrações ou Fundações, a expandir o que me brota do
cérebro ou flui do meu coração muito filantrópico.
Onde
me encontro lobrigo apenas miséria e desgraça, enquanto que, passada a linha,
os céus são cor-de-rosa e a paisagem verdejante.
Ele
são oliveiras altas, frondosíssimas, a cobrir facilmente qualquer obra de
alvenaria e enchem, até mais não, as arcas da economia própria, nogueiras
largas que não dão nozes, é certo, mas facilitam o seu acesso, pereiras tantas
que formam florestas, carvalhos gigantescos que cobrem tudo o que à volta
houver, soutos, muitos, de loureiros banhados numa aura celeste e silvas tão
pouco espinhosas que já se encontram a decorar os bancos.
E
a fauna, meu Deus, espantosamente exótica, como jamais se viu: coelhos de
muitas raças, que vencem os castores em obras de construção, outros tão bravos que,
em vez de caçados, são caçadores, lobos mansinhos que mamam em toda a teta,
cordeiros sentados nos bancos, cobrando entradas, e grilos, sardinhas, passarinhos,
estes pipilando em fios eléctricos, aqueles e aquelas proliferando no
desenvolvimento da terra, ar e mar.
Previno
quem me leia que a minha descrição é pálida, anémica, comparada à realidade
deste país de sonho, a lembrar-me um jogo televisivo, popular em França, da
descoberta do tesouro, depois de passos decisivos e portas ultrapassadas.
Se
também tiver desejo de o ver e desfrutar, aconselho uma preparação prévia com
leitura de Alice no País das Maravilhas,
de Lewis Carroll e Os Privilegiados,
de Gustavo Sampaio.
Sem comentários:
Enviar um comentário