sexta-feira, 24 de janeiro de 2014


Bem cebado, bastos beiços, com ar de cheirar mal, julguei-o, pelo perfil javalino, vindo de zona montanhosa.
Errado, pertence, afinal, a zona mais ao sul.

O outro, mais modesto no vulto, compensa a sua menor espessura com poderosas queixadas salientes e uma vasta testa que começa a partir de sobrancelhas ramalhudas e vai terminar para lá da cauda, depois de contornar por inteiro um crânio luzidio.
Ambos, armados de óculos de lentes poderosas, que, em princípio, deveriam mostrar-lhes a realidade, mas assim não é.

A par ou à compita, assessoram uma estranha criatura de cara assimétrica e meneios curvilíneos, que suscita desconfiança, sob todos os aspectos.
Os três, coadjuvados, por vezes, por uns sujeitos nada tranquilizadores, criaram sociedade de venda do que é alheio e assusta vê-los ou ouvi-los, quando um incauto os interpela em termos morais. Parece que montaram banca para os lados da Estrela e que o negócio lhes vai correndo bem.

Há dias, pretenderam vender-me um serviço de correios e eu, sem grande bossa para a vigarice, disse, inocentemente:
- De que me servirá, se nem sequer escrevo aos meus amigos?

Eles não desarmaram, argumentando:
- Vendes em segunda mão e consegues bom dinheiro. Olha que somos nós a fazer-te um favor, porque estamos, de momento, precisados de liquidez.

Assim falam os sábios quando se trata de pilim.
Cocei o queixo, pensativo, meditei uns segundos e acabei por responder secamente:

- Não estou interessado. O que tenho chega-me.
- Grande besta! – ouvi eu, do trio em uníssono. – Agora é que é fartar, meu animal!

Teimosamente, abanei a cabeça numa negativa intransponível.
Olharam-me com ferocidade e desprezo, viraram as costas ostensivamente e partiram em demanda de alguém mais esperto que eu.

Percebo, agora, que desperdicei uma boa ocasião de me tornar milionário.

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