Caro
senhor,
Sei
perfeitamente como pensa, pois vi com os meus olhos e vivi de perto a
experiência.
Qualquer
farroupilha do continente que chegasse a terras de África, ingressava de imediato
na classe dos senhores, via-se-lhe abrir o crédito, as portas do mando, o apoio
das autoridades, uma lei permissiva.
Mandava,
então, construir um armazém de distribuição, comprava uns tantos camiões, abria
lojecas em diferentes sanzalas, contratava negros, a quem vigiava de perto,
para a venda de toda a casta de quinquilharias, bebidas e o famoso peixe seco
que revolvia as entranhas, só do cheiro.
Em
sua casa possuía cozinheiro, lavadeiro, alfaiate, boys para os filhos, padeiros
que o forneciam e comerciavam o pão, mecânicos de carro, ou carros, ao mesmo
tempo choferes transportadores dos produtos de comércio fixo ou em mercados.
As
notas entravam fartas, dando trabalho contá-las, ainda que coadjuvado pelos
empregados.
Deslocando-se
mais longe, instalava-se nos melhores hotéis, de mesas infindas em vastos
átrios, carregadas de estranhos acepipes e petiscos, beluga do Cáspio, marisco
fresco de Moçambique, laranjas e uvas da África do Sul, abacaxis do Brasil,
etc, etc, além, como se espera, dos produtos autóctones, entre os quais posso
citar, a título de exemplo, a carne de impala, o coração-de-boi, os cachos
gigantescos de bananas perfumadas. E as bebidas, meu Deus, vindas das quatro
partes do mundo, despertavam coragens ou ternuras, dependendo da pessoa que se
é, na realidade, por detrás das máscaras do quotidiano, pois uns ficavam
violentos e outros cantavam o fado choradinho.
Se aparecesse
bolha na pele ou azia no estômago, tinha por si especialistas na capital ou no
país vizinho ou em Londres ou Paris, caso o capricho seja mais exigente.
Compreendo
que o paraíso o tenha deslumbrado, a si, que na terra de origem, sua ou de seus
pais, andava, digamos, aos caídos.
O
diabo foi o preto rebelar-se, o maldito, antes de convertido às boas razões
capitalistas: o senhor e excelentíssima família viram-se, então, obrigados a
regressar a penates.
Felizmente
tiveram bom acolhimento, graças à generosidade do democrata Soares, que lhe proporcionava
emprego, hotel, casa, acomodação sem sobressaltos, por cima da miséria de quantos
cá viviam.
E
não é de estranhar que mantenha os hábitos do antigamente e olhe a malta da
terra bem diferente de si.
Aconselho-o,
porém, a refrear um pouco o olhar de negreiro, porque o historial, aqui, é
outro, não devendo confiar na actual inércia generalizada de um povo que se
encontra em coma de cobardia. Tudo tem limites, sabe, e, embora apoiado pela
Europa da agiotagem e venais que ela recruta, uma faúlha pode acontecer. Então,
sim, fica o caldo entornado, segundo as sábias palavras de um conhecido
serventuário traidor.
Precate-se,
caro senhor, e evite a provocação constante, o pisar sem dó destes desamparados,
que estão à beira da exaustão.
Não
se fie na matilha que o rodeia ou na guarda pretoriana, que essa gente, pressentindo
um dia que há força do outro lado, muda-se num ápice, com armas e bagagens,
para arvorar o patriotismo de sempre que entretanto esqueceram e apresentar
provas insofismáveis de honestidade, observância rigorosa da justiça, amor à
democracia, tal como aconteceu dias depois do 25 de Abril.
A
minha avozinha disse-me imensas vezes: mais vale prevenir que remediar.
E
quem nos avisa, nosso amigo é.
Um
com-patriota.
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