segunda-feira, 27 de janeiro de 2014


INTRODUÇÃO

Agradecendo, de antemão, que me corrijam, quando me engano ou esqueço facto relevante, creio oportuno recordar um pouquinho da nossa história recente.

 
CAPÍTULO I

Tido por vitorioso o levantamento de Abril, atravessou a fronteira, açodado, um senhor que acabara de fundar, na Alemanha e com dinheiros alemães, mais um dos muitos partidos socialistas que, com palavras apetecíveis ao ouvido e alguns rebuçadinhos, têm por missão aquietar um povo zangado, capitalizar os votos dos muitos crédulos e gerir, posteriormente, os negócios da casa, observando a formulação de Lampedusa, que é preciso mudar alguma coisa para que tudo continue na mesma.
O quê?

A perpetuação de um sistema onde se enaltece a livre iniciativa, o génio empreendedor, a empresa criadora única de riqueza, os gestores multiplicadores de lucros, etc., etc., e, causa, efeito e objectivo de tudo, o direito a deitar a mão ao que outros produzam, condescendendo-se, sim, em que possam receber o necessário para se manterem em pé e continuarem a produzir.
Esta justíssima repartição tem permitido, através dos tempos, que uma mão-cheia, apenas, goze todos os prazeres na terra e, mais tarde, no céu, já que lhes está assegurado, à hora da morte, um santo padre a absolvê-los dos seus pecados.

Nem tanto era preciso, já que Monsenhor Escrivá, fundador da Opus Dei, beatificado e a caminho da santidade, numa inspiração divina, considerou esses poucos os eleitos de Deus.
Como sistema bem pensado, acrescenta-se uma válvula de escape: o nobre e sagrado direito de dizer mal de qualquer um, desde que não se ponham em causa o bom nome, a honra, a dignidade, etc., etc., isto é, a impunidade de quem manda e rouba.

 
CAPÍTULO II

Entrado no país, o excelente senhor, acarinhado e louvado fora, para que encarnasse, ele e só ele, a oposição ao fascismo, trazia, por missão, confundir e dividir os capitães, proclamar a reconciliação nacional, quebrar a unidade dos trabalhadores, arrefecer as excessivas alegrias da rua e, juntando os pedacinhos dispersos do reaccionarismo, embrulhou tudo bem embrulhado, tal como dizia o puríssimo cristão Francisco Franco, referindo-se ao que legava à Espanha: está atado e bem atado.
Incansável, o “pai da democracia”, como depois se disse, apareceu em jornais, rádios, televisão, comícios, manifestações, em defesa da liberdade de opinião, de reunião, de associação, etc., etc., diabolizando os comunistas satânicos, defensores, imagine-se, da terra a quem a trabalha, dos trabalhadores gerindo os grandes meios de produção, da educação e da saúde gratuitas, para todos.

E criou-se uma UGT que, pingue de recursos, serviu para atear fogos entre quem trabalha, esperando-se que saísse irremediavelmente queimada a central sindical CGTP, herança da luta antifascista, da clandestinidade, mas muito em sintonia com o nefando projecto e, logo, execravelmente unitária, monolítica, despótica, etc., etc., correia de transmissão dos terrivelmente sinistros comunistas. Impunha-se “quebrar-lhes a espinha” a uns e a outros.
Com lábia, manha, habilidade, intriga e dinheirinho ressumante do estrangeiro, via França, Holanda e anexos, prosseguiu ao que vinha: gestão dos negócios públicos e privados, numa promiscuidade legalizável e bem aceite, que entrasse e melhorasse pelo futuro.

Ao olhar-se o êxito, é bom não esquecer a preciosa ajuda do mui nobre Senhor Embaixador Americano, Carlucci de nome, ex-director da CIA, benemérita organização de espionagem, célebre em sabotagens, atentados, mortes, golpes ditaturiais, que o mundo conheceu, sobretudo, depois da contra-revolução no Chile e assassinato de Allende, socialista verdadeiro, que foi preciso abater.
 

CAPÍTULO III

O nosso protagonista dava, de facto, garantias, todas, a uma América que, na altura, à palavra socialismo, ainda se arrepiava.
Já no regime de opressão anterior o senhor dera boas provas, dividindo e desavindo a oposição, fazendo campo à parte.

Em virtude disso fora cruelmente castigado com o exílio em S. Tomé a comer lagosta, enquanto os progressistas do país eram perseguidos, presos, torturados, mortos e Cunhal cumpria onze anos de incomunicabilidade, na prisão, que mais seriam, se ele e os camaradas não inventassem maneira de fugir de Penhche.
Finda a insuportável expatriação logo, o senhor emerge fugazmente em Portugal, Nova Iorque, Estrasburgo, aqui e acolá, para vir a sofrer um novo e cruciante exílio em França, com trabalhos forçados nas peroratas de Rennes, tarefas ingratas de organização de amigos e recolha de fundos de partes várias, noites mal dormidas em hotéis confortáveis.

Como é possível a vida encarniçar-se, assim, contra alguém que, sacrificando tudo, se bate, bateu e baterá pela felicidade do seu povo?
E desinteressadamente, generosamente, sem prosápias, numa pureza e elevação de ideais que bem merece o respeito e admiração em vida e que seja consagrado na morte, em repouso eterno, para exemplo dos vindouros, no Panteão dos Grandes, lado a lado com o Senhor General Carmona.

 
CAPÍTULO IV

Os tubarões do regime deposto, tinham, entretanto, enchido as malas com os seus haveres e bens alheios, buscando tranquilidade e merecido repouso por praias de Copacabana, Miami e outras.
Por cá, haviam deixado ficar alguns dos empregados que, falando mansinho, docemente, iam espreitando oportunidades, corrompendo morais frágeis, alargando redes de interesses para que seus patrões, no regresso, encontrassem os palacetes impecáveis, tudo afinadinho para voltarem a exercer os seus talentos, reconstruíndo e ampliando os antigos impérios.

Sabiam tais zeladores que mimos e atenções do género, são, no final, recompensados com poltronas confortáveis, donde se pode ver o mundo cor-de-rosa, a querida família felicíssima, as suas criancinhas predestinadas, ao nascer, à sucessão dos papás, no mando e nos proventos.
Isto, de modo muito mais inteligente e sossegador para todos, lordes e mordomos, pois a abençoada democracia electiva, orgulhosamente implantada, suscitaria, quando muito, pequeníssimas e sanáveis invejas paroquiais, mas nunca dissidências perigosas.

Como é por demais sabido, este sistema de governação não é instrumento útil do capitalismo predador. É, sim, o seguríssimo caminho em direcção ao melhor dos mundos possíveis.
Fim da História. Ver Fukuyama.

Esclareçamos, de vez, o que se chama bipartidarismo:
- Enquanto tu, meu adversário, mas bom amigalhaço, estiveres no poder e eu, descansado em gabinetes atapetados das instituições públicas e privadas, espero que me faças leis a gosto, injectes muita massa nos meus cofres, redecores a casa, renoves a frota, agora tuas, agora, e amanhã minhas.

- Podes contar, desde já, com o meu sincero reconhecimento, que provarei, depois, de forma generosa, retribuindo-te mais e melhor, ao chegar a minha vez.
Perguntar-se-á:

- E os que pagam o pato e a palhaçada?
Resposta:

- Olham apatetados, não percebem nada, apertam o cinto e haverá, mesmo, quem aplauda, entusiasmado, por se rever naquilo e naqueles que vêem e gostavam de ter e ser.
Mais ou menos como pobres maltrapilhos, apinhados à porta das grandes galas, aplaudindo a gente fina que chega em limusinas, toda vestidinha a rigor, eles, exibindo senhoras a rabejar sedas, elas, dobrando-se ao peso dos diamantes e amor eterno que nutrem pelos seus queridos.

Por vezes, mesmo, é possível lobrigar, a espreitar do umbigo das encantadoras damas um cãozinho minúsculo, de raça estranha, muito parecido a um colibri, no tamanho.
Um verdadeiro deleite!

 
APÊNDICE
 
As festanças são para continuar e não pararão jamais, que o requinte exige sempre mais e melhor, a não ser que o pobre diabo, capacho que todos pisam, se arranque do torpor, agarre essa malta pelos colarinhos, sente-os no banco dos réus por roubo, corrupção, abuso do poder, tráfico de influências, gestão danosa, os múltiplos crimes que a justiça prevê, mas não vê, tão ocupada está em castigar os fracos.

Pessoalmente, não defendo a guilhotina, porque seria pôr-me ao nível dos desfrutadores.
Mas gostaria de ver esses tipinhos a viver, como muita gente vive: salário mínimo.

Parece-me um veredicto sensato e gratificante, pois as criaturas teriam uma nova oportunidade de conhecer a vida, alargar experiência, saber, horizontes.
Eu diria, então, como o filósofo Ulrich:

-  Ai, aguenta, aguenta!
Só que pluralizaria.

 

 

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