Sempre
me boliu com o entendimento esta coisa de se falar em ruas da amargura.
E,
à falta de melhor explicação, quedei-me pensando que isso ficaria para os lados
da Musgueira.
Ultimamente,
essa relativa tranquilidade minguou e vai minguando dia a dia, dado o esforço
nosso em ocupar lugares cimeiros, à escala mundial, promovendo desemprego,
miséria, desprotecção, numa expansão abrangente, da Galiza de Baixo, o Minho, a
Marrocos de Cima, o Algarve.
Graças
aos céus, o acaso sorriu-me, faz poucos dias, quando abri a televisão e tentei
fugir à imensa porcaria que ela verte.
Imaginem,
tropecei às tantas num debate que tinha, de um lado, António Filipe, do Partido
Comunista, do outro, Teresa Caeiro, do CDS.
E,
quase explodi na alegria de Arquimedes, ao ouvir a senhora defendendo, açodada,
as pedrinhas da calçada.
Digam-me
se não se percebe a surpresa da senhora, que rondava a indignação, por ter
julgado ver no confrontante alguma displicência, pensando que, por obtusidade
dele, com certeza, não conseguia alcançar a dimensão do cruciante e momentoso
problema, sobretudo a acontecer num país onde reina a paz e a felicidade e nada
há mais a assinalar.
Todo
eu ardi na ânsia de intervir e ajudar a nobre dama num ataque feroz ao outro, o
insensível.
E
se eu tinha razões de peso!
Havia-me
lembrado que, outrora, em terras nossas, um rei deixara obra capaz e,
consequentemente, era detestado pelos compêndios, tanto mais que se apoiara no
povo contra os nobres da época, que, como os de hoje, também tinham açambarcado
por completo o país.
Foi
D. João II.
O
homem, ao subir ao trono, dizem ter dito, que eu não ouvi:
-
Meu pai deixou-me rei das estradas de Portugal.
É
ou não actualíssimo o desabafo, se não fúria? Com uma diferença: na altura,
ninguém pensaria que nem sequer as estradas escapariam à gula do capitalismo
depredador.
E
pareceu-me que, nas profundidades do cérebro da senhora deputada, algo lhe
sussurrava que defendesse o nosso património futuro.
Pois
não é nada provável que haja compradores, nacionais ou estrangeiros, para as
ruas do país, ainda que criando portagens a cada esquina, já que isso
implicaria investir bom dinheiro no levantamento de portais por todo o lado.
Bom
será, portanto, que, desde já, cuidemos das sobrantes vias públicas, ou nem
isso teremos amanhã.
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