Cansou-se Deus de descer e
subir dos céus, para tão parcos resultados e, desgostado, abandonou-nos,
entregues à nossa irremediável estupidez.
Com tamanho asco que, mesmo
em lugares de enorme santidade, não se regista, há muito, milagre assinalável.
Ora, se nós, bichinhos
irracionais, sentimos, por vezes, um baque na consciência, era bom de prever
que, tarde ou cedo, Deus viesse a ter remorsos, ao ver como nós nos afundávamos
dia a dia.
Arrependido, inspirou os
nossos donos europeus, que, embora a custo, puxaram os cordões à bolsa onde
depositáramos, por obrigação, um bom dinheiro e, depois, milhões e milhões
entraram no país para acções de formação.
O pobre, a quem sai
inesperadamente a sorte grande, perde facilmente o pouco juízo que ainda tem.
Recordo, por exemplo, ter
havido propostas de danças de salão e ténis de mesa, visando enriquecer a
carreira de professor.
Não sabiam lá fora?
Sabiam, até de sobra.
Mas escute: quem esteja em
formação não figura no número dos que querem trabalhar e não encontram e,
assim, a percentagem do desemprego diminui substancialmente.
Ouviu uma moça na televisão
que já ia na quinta formação?
Já percebe por quê.
Mais: com o dinheiro
enviado, vieram também novas instruções para regras de cálculo e outras
subtilezas no apuramento contabilístico do desemprego.
Tudo inútil. Os números
estavam crescendo e a miséria alastrando.
Apagaram-se nomes,
fecharam-se centros, criaram-se contratantes parasitas, aconselhou-se a
emigração, tudo se fez, com taxas, sobretaxas, impostos, sobre-impostos, para
que muitos morressem e outros se suicidassem.
Nada travou o que na nobre
formulação da linguagem económica se chama “crescimento negativo”.
É o que os abutres, dentro e
fora de governos, bancos e empresas, tinham cavalgado a onda para cortar nos
salários, reduzir o pessoal, despedir os mais velhos, roubar nas pensões, rasgar
contratos, abolir direitos e continuar, por esta via, até o país ter um nível
que impedia ir mais longe.
Os que navegam em águas
doces ou salgadas dizem que se bateu no fundo e nós navegávamos há muito em
pleno mar da desgraça.
Impunha-se uma nova
inspiração celeste e ela surgiu: voltar a contratar por tuta-e-meia,
precariamente, sem direitos nenhuns, gente descartável e descartada que a fome
empurrava a vender-se por qualquer preço.
Bem visto, não?
E, pronto, os taumaturgos
milagreiros podiam pulular e exibir os seus dons que os milagres aconteceriam:
desemprego a decrescer, a água a passar a vinho, a mentira a verdade, o
despudor a seriedade e o desespero a esperança e o futuro a fulgurar.
Em suma: vão ser sucessos
diários, a redenção está à vista, os agiotas felizes.
À aproximação das eleições,
é previsível que o ritmo acelere, numa febre alucinante que nos fará mais
tolos, ainda, do que somos, a ponto de voltar a votar nos inspirados de agora e
nos outros que estão à coca.
Sem comentários:
Enviar um comentário