Caro senhor palrador
Sei que vendeu a alma
ao diabo, comprometendo-se a observar rigorosamente o panglossismo e a defender
por onde passa que este é o melhor dos mundos possíveis e não há alternativa.
Dir-lhe-ei, contudo,
que carece de originalidade, pois, há muitos anos, andava o senhor de fraldas,
ouvi isso ao grande pai da democracia, pouco depois de se ter contratualizado
com o, então, embaixador americano Carlucci.
Mas, num rasgo
optimista que, por vezes, me acontece, esperançado que seja capaz de rasgar
contratos com os seus mandantes, ofereço-me a ciceroná-lo por uma casa de
discos, onde podemos encontrar música ligeira de alguns anos atrás.
Como vê, nenhuma
exigência de puxar pela cabeça e eu gostaria, apenas, que escutasse canções
italianas ou francesas ou espanholas ou portuguesas desses tempos.
Certamente dar-se-á
conta de que, nessa altura, sobravam, ainda, uns restos de gosto nacional e o
mercado único anglo-americano tinha muito trabalho pela frente.
Há, sim, senhor,
individualidade, personalidade, criatividade, variedade, riqueza.
Se não ficar
convencido, trá-lo-ei a minha casa e verá amostras de filmes europeus de época,
portugueses, espanhóis, franceses, italianos, polacos, checos, russos, etc.
Não tenho a menor
dúvida de que se aperceberá da miséria mental a que chegámos.
No caso me consiga
ainda aturar, falar-lhe-ei de Ary, Lorca, Éluard, Aragon, Vittorini, Ehrenburg...
Aqui, poderá
objectar-me com Saramago, Lobo Antunes e outros.
A jogada é forte, concordo, e devo confessar
que eu próprio não entendo o fenómeno, mas também lhe responderei que nenhum
deles se sentia ou sente bem neste apodrecimento geral e isto falando, apenas,
dos dois primeiros.
Já percebeu, agora,
que o descalabro, além de económico e social, é também cultural e mental.
Fazendo votos que
assim seja,
O com-patriota.
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