Como, entre nós, a
conciência de classe começa e finda no umbigo e as ideias se geram no estômago
e intestinos, acreditámos, de pronto, que nos dariam dinheiro, só para
concorrermos com eles, livre e desportivamente.
Inventáramos o capitalismo
generoso, chegara a hora de enterrar o celerado Marx e a inventona de uma luta
de classes, porque éramos uma só família e nos amávamos apaixonadamente.
A avidez por um mercado de
centenas de milhões pusera fim ao bom-senso, obliterava-nos a razão, cegou-nos
irremediavelmente.
Nada haveria de estranho,
pois, na imposição do euro, no derrube das fronteiras, na abertura frenética de
vias de comunicação.
Era o progresso em marcha.
Desregulação financeira,
circulação de capitais, globalização?
Triunfava, finalmente, a liberdade!
Só que não era a nossa, era
a deles, predadores.
Reticências ou dúvidas, nem
pensar, que esperava-nos, ansioso, o pelotão da frente.
Abandonámos atrás a
agricultura familiar, arrancámos montados, olivais e vinhas, houve curso
irrestrito à plantação de eucaliptos.
E fechámos as minas,
renunciámos ao mar, abatemos barcos, navios, companhias de navegação.
Em trejeitos obscenos e
piscadelas de olho, procurámos seduzir o capital estrangeiro, assinámos
contratos, pactuámos tratados e venderíamos a mãe, se alguma coisa valesse.
Caberia aos miúdos da casa
encarregarem-se do resto, apedrejando as vidraças restantes, empochando o pouco
que sobrasse.
Tudo em nome de uma Europa
dos ricos, que ocultava a escravidão futura.
Da simpleza do mentecapto e da
ganância do merceeiro, evoluímos para servidores solícitos, prostitutos que se
prestarão a tudo.
Custasse o que custasse, o pequenote ia
tornar-se grande, o pelintra acabaria rico, o bufão sem mérito encontraria
aplausos.
Sobrenadava, da fundura do
ser, o atávico complexo de inferioridade e a sequente megalomania do
provincianismo bacoco.
Mas, caramba, acolher-nos-ia
a surpresa do mundo, do universo, com o salto colossal do nada para o tudo.
Anos depois, o delírio
termina em desespero e desgraça e, do sonho de há pouco, vai-nos ficar o país
devastado, um endividamento impagável, a agiotagem instante, uma absoluta
ausência de futuro.
Mas não percamos esperança,
portugueses patriotas, façamos uma oração a Fátima por uma Europa sensata,
esportulante, solidária.
Chulidária, no dizer de
alguns e mais de acordo com uma etimologia provável.
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