quarta-feira, 26 de março de 2014


Como, entre nós, a conciência de classe começa e finda no umbigo e as ideias se geram no estômago e intestinos, acreditámos, de pronto, que nos dariam dinheiro, só para concorrermos com eles, livre e desportivamente.
Inventáramos o capitalismo generoso, chegara a hora de enterrar o celerado Marx e a inventona de uma luta de classes, porque éramos uma só família e nos amávamos apaixonadamente.

A avidez por um mercado de centenas de milhões pusera fim ao bom-senso, obliterava-nos a razão, cegou-nos irremediavelmente.
Nada haveria de estranho, pois, na imposição do euro, no derrube das fronteiras, na abertura frenética de vias de comunicação.

Era o progresso em marcha.
Desregulação financeira, circulação de capitais, globalização?

Triunfava, finalmente, a liberdade!
Só que não era a nossa, era a deles, predadores.

Reticências ou dúvidas, nem pensar, que esperava-nos, ansioso, o pelotão da frente.
Abandonámos atrás a agricultura familiar, arrancámos montados, olivais e vinhas, houve curso irrestrito à plantação de eucaliptos.

E fechámos as minas, renunciámos ao mar, abatemos barcos, navios, companhias de navegação.
Em trejeitos obscenos e piscadelas de olho, procurámos seduzir o capital estrangeiro, assinámos contratos, pactuámos tratados e venderíamos a mãe, se alguma coisa valesse.

Caberia aos miúdos da casa encarregarem-se do resto, apedrejando as vidraças restantes, empochando o pouco que sobrasse.
Tudo em nome de uma Europa dos ricos, que ocultava a escravidão futura.

Da simpleza do mentecapto e da ganância do merceeiro, evoluímos para servidores solícitos, prostitutos que se prestarão a tudo.
Custasse o que custasse, o pequenote ia tornar-se grande, o pelintra acabaria rico, o bufão sem mérito encontraria aplausos.

Sobrenadava, da fundura do ser, o atávico complexo de inferioridade e a sequente megalomania do provincianismo bacoco.
Mas, caramba, acolher-nos-ia a surpresa do mundo, do universo, com o salto colossal do nada para o tudo.

Anos depois, o delírio termina em desespero e desgraça e, do sonho de há pouco, vai-nos ficar o país devastado, um endividamento impagável, a agiotagem instante, uma absoluta ausência de futuro.
Mas não percamos esperança, portugueses patriotas, façamos uma oração a Fátima por uma Europa sensata, esportulante, solidária.

Chulidária, no dizer de alguns e mais de acordo com uma etimologia provável.

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